Relatório final da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro aponta violência da ditadura contra trabalhadores e o uso de mulheres como cobaias em aulas de tortura

                                                                         
Relatório Final  da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, resultado de dois anos e oito meses de trabalho , foi entregue ao governo do Estado do Rio de Janeiro e à sociedade civil em cerimônia no Palácio Guanabara, no dia 10 de dezembro de 2015.

O documento está dividido em seis partes, englobando desde o contexto de criação das Comissões da Verdade até as recomendações ao Estado brasileiro de políticas de não-repetição de graves violações de direitos humanos, passando pela lista de mortos e desaparecidos do Rio de Janeiro, os casos investigados e a identificação de locais de prisão e tortura.

Além disso, apresenta as pesquisas a respeito do empresariado e da violência aos trabalhadores rurais e urbanos, aos militares perseguidos, aos moradores de favela, à população negra, às mulheres e aos setores LGBT.

A Ditadura também afetou moradores de comunidades do Rio, que sofreram perseguições e foram removidos das casas por causa de interesses do governo nas áreas onde residiam. De acordo com a presidente da comissão, durante meados da década de 60 e início dos anos 70, quase 100 mil pessoas foram obrigadas a sair de favelas.

Os locais eram alvo de grande especulação imobiliária. Além disso, divulgava-se a informação na época de que as comunidades seriam um espaço de propagação da ideologia comunista.

Segundo a comissão, a tentativa do Estado era de acabar com as favelas e a visão se tornou mais forte durante a ditadura. Um dos casos mais lembrados de remoção é o da comunidade da Praia do Pinto. Apesar da prisão dos líderes da resistência, as pessoas continuaram se opondo à vontade do governo de que elas saíssem do local.

A luta durou até que o lugar pegasse fogo, destruindo 800 barracos e deixando mais de 4.000 desabrigados. Até hoje não se sabe ao certo se o incêndio foi provocado por agentes do governo ou se tratou de um acidente. O líder comunitário da Vila Autódromo, Altair Guimarães, conta no documento que os moradores foram despejados em condições sub-humanas.

— Fomos tirados dessas comunidades [Favela do Pinto, Ilha das Dragas e Ilha dos Caiçaras] como animais. Na época, a Comlurb 10 tinha caminhões com janelinhas iguais às dos trens. O governo, a Polícia Militar e a Comlurb iam botando nossas coisas pra cima dos caminhões de lixo, metendo pé de cabra e marreta nos barracos, derrubando. Não respeitavam as crianças, não respeitavam os mais velhos e não é diferente hoje. A mesma coisa que acontecia na época da ditadura acontece hoje.

A comissão ainda mostra que trabalhadores rurais e urbanos sofreram no período ditatorial, pois eram tirados das terras e perseguidos por lutarem por melhores condições de trabalho. Em ambos os casos, é possível ver uma luta por direitos que motivou a perseguição política.

O documento também traz depoimentos de mulheres que sofreram durante o regime militar. Além de serem torturadas por se posicionarem contra a ditadura, elas eram humilhadas por não se submeterem a "papéis tradicionais", como diz a presidente da comissão Rosa Cardoso.

— Havia também a posição dos perpetradores de violência, uma visão bem machista, de que mulher tinha que estar em casa e mulher que estava na rua era uma vadia que não merecia nenhum respeito como pessoa, porque não merecia respeito como mulher.

Essa visão foi influenciada pelo fato de ocuparem a política, um espaço tradicionalmente destinado ao homem. Umas das vítimas, a militante Estrela Bohadanna, presa em 1970 aos 19 anos, relata no documento da comissão que era questionada por não estar em casa.

— Havia um desprezo por parte deles. Junto com a ideologia, vinha essa humilhação pelo fato de ser mulher, como se a gente estivesse extrapolando nosso papel de mulher. O tom era de: 'por que você não está em casa, ao invés de estar aqui? Por que você perde tempo com coisas que não lhe dizem respeito?'

Na tortura, foram usadas a nudez forçada, choque elétrico na vagina e outras partes sensíveis, golpes no abdome a fim de provocar aborto em presas gestantes, além da inserção de objetos e animais, como baratas, nos órgãos genitais. Elas eram abusadas sexualmente e até usadas como cobaias para "aulas de tortura", conforme relata a professora da Fundação Getúlio Vargas Dulce Pandolfi.

— O professor, diante dos seus alunos, fazia demonstrações com o meu corpo. Era uma espécie de aula prática, com algumas dicas teóricas. Enquanto eu levava choques elétricos, pendurada no tal do pau de arara, ouvi o professor dizer: 'essa é a técnica mais eficaz'. (Com a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro/R7)

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